QUERO DESMONTAR TEU BACALHAU!

Para assinalar os dias de ócio da época pascal, o lema foi aproveitar os dias ao máximo, porque aqui nos fins-de-semana prolongados “é proibido”:

  • Negar os dias de “ócio”;
  • Negar a possibilidade de visitar a cidade de lisboa, sobretudo aquela Lisboa mulata que se esconde dos amores à primeira vista;
  • Negar a gastronomia enquanto hábito alimentar de um povo. Sobretudo o hábito relacionado com a arte de preparar alimentos, que se encontra intimamente ligado à cultura, etnia, localização geográfica, bem como, o que cada lugar tem como alimento típico e influências. Com isso a gastronomia é cada vez mais uma fonte para conhecer a cultura de um povo!

Lisboa, a cidade de cultura despretensiosa, com um centro urbano riquíssimo em história e arquitectura harmoniosa, combina o moderno com os elementos antigos recuperados e/ou reciclados. É uma das mais fascinantes urbes para explorar!

Graças ao “estatuto” de que Lisboa está na moda, reinventa-se a cidade! É verdade que a cidade está a reinventar-se – à mesa, nos museus, na arte urbana. Aumentam as ofertas de alojamento local, os espaços gastronómicos, entre outros. Os passeios gastronómicos e culturais, fugindo dos roteiros turísticos, são a melhor forma para conhecer lugares, a cidade, a cultura, os eventos e pessoas.

No entanto, como diz Ary dos Santos, Lisboa continua a ser “menina e moça”.

Foi assim que me tornei num turista em terra própria! Fugindo dos roteiros turísticos tradicionais e vagueando à procura de grandes vivências e lembranças inesquecíveis.

Deambular pelas ruas e descobrir que a cada dia existem cada vez mais ofertas! Contribuir desta forma para o espirito deste Blog – uma súmula de saídas, lugares, roteiros, estadias, sentadas/repastos, exposições, fotografias, pinturas e pessoas. Um repositório de espaços únicos, anfitriões do mundo inteiro.

O plano deste fim-de-semana prolongado incluía uma estadia no WC Beautique Hotel Lisboa e umas boas sentadas/repastos!

Continuamos a apresentar novos mundos ao mundo. A minha mais recente descoberta, nas ruas desta cidade, foi o Clube do Bacalhau. O nome, por si só, já é prometedor: na senda da “Boa Vida Persegue-me”, significa “Sentada/Repasto completa e à portuguesa”.

Traçar uma rota de espaços, onde se come bom bacalhau, é outra das tarefas a pôr em prática.

O Rui Moreno, o João Alves, o Tiago Cerqueira, o Clem Ferreira e o Pedro Silva, são os cincos navegantes que em boa hora criaram esta Associação Cultural: o Clube do Bacalhau. Uma associação cultural, despretensiosa, simples, mas acolhedora, onde pretendem realçar a afeição por Portugal, a riqueza histórica, cultural, incluindo também as habilidades enogastronómicas, distinguir a gastronomia portuguesa. Uma associação onde as pessoas podem desmontar petiscos de autor, secar adegas, e assistir a eventos culturais intimistas: exposições de fotografia, de pintura ou de escultura, concertos ou stand-up comedy.

O porto seguro da boa comida, que “está na berra”, situa-se num dos locais mais privilegiados desta cidade à beira Tejo, mais concretamente, na Travessa do Cotovelo, 12, Cais do Sodré, Lisboa.

Inserido num edifício histórico, o seu interior conserva características de outras épocas. As arcadas em pedra e as paredes que por vezes se enchem de quadros, transformam-se numa verdadeira galeria mostrando arte que se funde na decoração moderna, proporcionando um ambiente eclético, cosy e convidando- nos a belas sentadas/repastos.

O espaço inspirado na cultura do bacalhau, evoca toda a epopeia da sua pesca. Talvez porque convive paredes meias com a Rua do Arsenal, onde o “rei bacalhau” continua a imperar com grande variedade de espécies e dimensões. Está dividido em dois pisos diferentes. A decoração é cuidadosamente projetada para a harmonia entre o rústico e o vintage, com um toque de contemporaneidade, serve de ponto de encontro dos comensais que andam à procura daquelas sentadas/repastos que nos ficam na memória. Comer é muito mais do que a simples satisfação de uma necessidade, é prazer, é uma das mais ricas experiências sensitivas que podemos desfrutar. Comer é um ato emocional. Traz conforto, tranquilidade, bem-estar.

O espaço combina com a autenticidade de Lisboa, confraterniza com portugueses, viajantes de todo mundo e todos aqueles que gostam de um spot com boa vibe, cultura, boa comida para partilhar e pessoas positivas para conversar, a par de uma missão bem nobre: todas as quintas-feiras, confecionam, refeições quentes para os sem-abrigo. O “Bacalhau Solidário” serve de alento para o coração e é distribuído pelos voluntários da Associação Noor’Fatima Voluntariado. Facto que os coloca na linha da frente no que toca a servir refeições dignas a quem mais precisa.

São estes os cozinheiros, com outro aprumo, experiência de tachos, com curriculum a preceito, e mão para satisfazer os meus apetites, que descobri neste lugar! Olhe que chatice.

Com este espírito de glutão excessivo, continuo a recusar ser domesticado por aqueles que criticam esta minha particularidade de apreciar o que é bom. Não obstante as aparências de comilão, o certo é que, a boa vida persegue-me, ao ritmo da minha satisfação em desmontar pratos e tachos suculentos.

Foi o que encontrei aqui, cozinhados, onde não faltam cuidados, saberes, à mistura com cheiro a bacalhau!

Nesta quadra pascal, nestes momentos de paz entre os homens, de penitência, de renúncia aos prazeres da carne, levei à boca, os mais variados petiscos de bacalhau que provei e desmanchei com distinção!

Aqui, onde o bacalhau é estrela, é tudo menos castigo!

E ainda se piscou o olho ao “escondidinho”, o único prato de carne desta degustação. Carne mirandesa confecionada na perfeição, cortada em pedaços gulosos tipo pica-pau, mantendo os sucos internos, o que se veio a comprovar um verdadeiro prazer para o palato.

O menu de degustação trazia tudo o que se quer para satisfazer o apetite e a gula!

Os “Cozinheiros” de estalo, não deixam créditos entregues às mãos de quem anda em contra mão e apresentaram-nos: Pataniscas, Tártaro de Bacalhau que tanto apreciei e desmontei com prazer, que a par do Carpaccio de Bacalhau, é um dos poucos petiscos capaz de me deixar a salivar.

Apesar de ser dado a refeições frugais e caseiras, Rui Moreno é dedicadíssimo aos tachos e às palavras. Pressente apetites, adivinha gostos, conversas, educa paladares naturalmente, elevando-nos a patamares mais sofisticados. E a comida de autor passou a estar na boca de todos na Travessa do Cotovelo. Mais ainda, com o escondidinho. Como já aqui escrevi, o único prato de carne, nesta sentada onde o bacalhau foi rei, levou-nos à boca memórias de cozinhados maternos, redescobertas que o palato não esquece. Este “escondidinho” torna o “Cozinheiro Moreno”, doutorado, nas palavras, conversas, nos tachos, ingredientes, condimentos e vapores culinários.

Fuçando segredos para confecionar ementas especiais de bacalhau, o sócio cozinheiro Rui Moreno, ensaia, reinterpreta pratos e é assim com estas receitas que ele nos cativa, não só pelos temperos, mas, também, pelo dom de contar histórias e estórias.

Rui Moreno passa o tempo a aprimorar técnicas, a refinar saberes, a inventar sabores, onde o bacalhau é reinterpretado por novos paladares. Ficam famosos os Carpaccio de Bacalhau com Alcaparras e Lasca de Queijo da Ilha, o Tártaro de Bacalhau e Alcaparras, as Pataniscas de Bacalhau com Maionese de Lima, o Escondidinho de Carne Mirandesa com Molho à Antiga Portuguesa, e também as sobremesas.

Deixando a sua marca também nas longas conversas. Não sendo parco em palavras, o encontro não se deu só com os segredos gastronómicos, foi também um encontro com o sabor das conversas com paladar das histórias e estórias do Rui Moreno, o sócio, mestre da culinária!

A DEGUSTAÇÃO

Tens alguma restrição alimentar? Hoje nenhuma. Estás pronto para a degustação? Sim, claro.

Então, vamos começar! E o cozinheiro/sócio apresenta-nos os pratos.

Provo o primeiro “Tártaro de Bacalhau e Alcaparras” e encontro uma mescla de cebola roxa, gema de ovo verde, alcaparras, molho da casa e temperos a gosto, que faz crescer água na boca. O resultado final é um prato delicioso, onde o toque salgado do mar, que trás uma salinidade inacreditável, mescla com o toque especial das alcaparras, o que faz realçar o sabor do prato. O paladar em si é interessante. Bom o contraste do bacalhau com as alcaparras. Os sabores mediterrâneos presentes cruzam-se com o toque contemporâneo. É servido com umas tostinhas da casa.

Assim começa a degustação! Talvez de modo a avisar o palato e as papilas gustativas de que vem aí “coisa deliciosa”.

Acaba de chegar o meu prato favorito…! Provo, saboreio sem pressas, o “Carpaccio de Bacalhau com Alcaparras e Lasca de Queijo da Ilha” e encontro no meio bacalhau fumado, sobre agrião e lascas de queijo da ilha, uma mescla que resulta num prato leve, fresco e com o sabor intenso do queijo. Puxando o prato para mim com entusiasmo, segurei os talheres e comecei a desmontar, a devorar tudo com voracidade.

Ah! Nada de torcer o nariz, por causa do queijo da ilha…. é um orgasmo gastronómico. Está muito bom… Sussurrei ao meu próprio ouvido: “eu adoro o som da minha boca quando mastigo tranquilamente, quando saboreio petiscos suculentos com satisfação”.

Que Maravilha de Bacalhau!

Outra possibilidade passou pelas “Pataniscas”, um clássico que como qualquer prato clássico de bacalhau, nos leva para lembranças das nossas avós. À mesa chegaram umas Pataniscas, fofas, saborosas, levemente húmidas, com um imprevisto toque apimentado, fazendo-se acompanhar por uma maionese de lima maravilhosa que lhe dá um certo twist! Deixei-me cair na tentação e provei as delícias propostas de bacalhau. Deixei-me levar pelo prazer de saborear e desmontar o melhor do Clube do Bacalhau!

Também não podiam deixar de marcar presença numa ementa onde o bacalhau é Rei!

Se o bacalhau tem aqui lugar de destaque, a verdade é que a “carne mirandesa” tem argumentos muito poderosos para nos cativar. E eu deixei-me seduzir logo na primeira dentada do Escondidinho de Carne Mirandesa com Molho à Antiga Portuguesa. Destaca-se a excecional tenrura e suculência, aromas e sabores que a diferenciam de qualquer outra carne.

Não é só a posta mirandesa que é “toda boa”! O escondidinho é uma excelente parte da “carne Mirandesa” que deu origem a um prato que é um dos ex líbris da gastronomia do Clube do Bacalhau (um dos poucos pratos de carne), o famoso “Escondidinho” de Carne Mirandesa com Molho à Antiga Portuguesa. A carne é temperada com louro, alho, vinho, no fundo os temperos usados pelas avós, entre outros pequenos segredos da casa. Depois a proteína é selada. A carne deverá ficar bem tostada, dourada, como se tivesse uma espécie de crosta para que os sucos fiquem dentro da carne. Conseguindo-se uma carne muito mais suculenta. Faz-se acompanhar por Batata Doce no Forno com Ervas Aromáticas.

 São “apenas” uma boa parte da oferta deste restaurante! Porém, pode ainda provar outras especialidades:

ZARPAR: Pratinho de Queijos; Tábua de Queijos; Pratinho de Presunto Pata Negra; Tábua de Presunto Pata Negra; Pratinho de Enchidos de Porco Preto; Tábua de Enchidos de Porco Preto; Tabuinha Mista; Tabua Mista.

PROA: Carpaccio de Bacalhau com Alcaparras e Lasca de Queijo da Ilha; Punheta de Bacalhau; Línguas de Bacalhau com Molho de Escabeche; Tártaro de Bacalhau e Alcaparras.

BOMBORDO: Pataniscas de Bacalhau com Maionese de Lima; Bochechas de Bacalhau à Bulhão Pato.

ESTIBORNO: Tiborna de Cogumelos e Tomate Seco; Tiborna de Queijo de Cabra com Alecrim e Mel; Tiborna de Bacalhau com Pasta de Azeitona; Tiborna de Bacalhau à Lagareiro.

POPA: Moelas de Pato no Tacho; Escondidinho de Carne Mirandesa com Molho à Antiga Portuguesa; Laminado Mirandês com Mostarda à Antiga.

BALANÇO: Batata Provençal; Salada Mista à Portuguesa; Salada à Clube.

ÂNCORA: Tentúgal de Bacalhau; Tentúgal de Legumes; Posta Mirandesa com Batata Provençal.

Uma ementa trendy funciona na perfeição, para quem gosta de ser surpreendido.

No fim da sentada/repasto o café foi brindado com um pequeno pecado, dietas à parte, que as calorias são bem-vindas! Confesso que lutei afincadamente contra as artimanhas de umas famosas sobremesas para satisfazer esta sentada na Travessa do Cotovelo.

Porém uma lista infindável de combinações tentadoras era-nos sugerida. Tudo em prol do nosso palato. Mas que massada!

Lançamo-nos primeiro para uma “Sericaia, Ganache de Ameixa sem Chocolate”, enriquecida com leite condensado, natas & ameixas.

É um doce tipicamente alentejano, com marcas do Clube do Bacalhau. Com uma textura fofa e cremosa, o ganache de lamber os dedos faz deste doce uma delícia que seduz o palato.

Não fui só eu quem se rendeu aos sabores das sobremesas. O fotógrafo do Blog Miguel Pais Silva deliciou-se com os doces carregados de identidade portuguesa, com um toque contemporâneo.

A seguir desfilou um “Creme Queimado de Gengibre e Manjericão”. Leite, ovos, açúcar, gengibre, aromatizado com manjericão, numa conjugação de sabores inesperadamente boa! O sabor da tradição aliado à inovação não desiludiu.

Este delicioso creme queimado de gengibre com manjericão deleitou os nossos palatos. Como é possível uma mistura banal exercer tanto poder sobre nossos sentidos?

O meu espanto não se ficou só pelos pratos mas também pela forma como fomos acolhidos.

A EQUIPA

Tive o prazer de saborear e observar o trabalho do cozinheiro do Clube do Bacalhau, que com a sua paixão pela cozinha, serve saborosos e tentadores pratos.

Mas, também a Lua, o Ricardo e a Mariana, os restantes “navegantes”, a equipe que está lá para nos aconselhar, a trabalhar-nos as ideias para que possamos aproveitar melhor o espaço e a ementa. A simpatia de todos que nos faz voltar, que nos faz sentir clientes únicos, que não estamos ali apenas para ser servidos o mais depressa possível para dar lugar a outro.

Adoro este tipo de “sentadas”… Observei os pratos na mesa, admirado, reparei, também, a forma como este rapaz aos poucos devorava e desmontava os pratos. Um atrás do outro. Vale a pena cozinhar para mim…!

Créditos fotográficos: Miguel Silva

INFORMAÇÕES

Contactos: Travessa do Cotovelo 12, 1200-132, Lisboa. Metro: Baixa Chiado (Azul) / Metro: Cais do Sodré (Verde) +351213420737.

HORÁRIO

Terça a Sábado das 12:00 às 00:00

SERVIÇOS

Cartão Mastercard, Cartão Visa, Multibanco

Aberto até tarde, permite eventos privados.

Sinta-se  à vontade para visitar o Clube do Bacalhau, sem pressas.